Eu sofri abuso religioso e só pensava em morrer

Uma cortina de fumaça apareceu na minha frente. Confesso que até hoje não sei descrever o que aconteceu naquele momento, mas tentarei descrever o que senti.
Voltei no tempo, aos meus 15 anos de idade, acredite. Fiquei preso nessa “bolha do tempo” por três dias, completamente perdido. Para ser sincero, foi exatamente na data em que havia me batizado nas águas, em uma instituição evangélica da linha neopentecostal.
A ficha caiu. Eu estava com 34 anos e, naquele momento, me dei conta do grande estrago que havia acontecido. Era como se eu estivesse anestesiado durante todo esse tempo, a minha vida passou como um filme naquele instante. Dezenove anos tinham transcorrido desde o dia em que ingressei na “igreja”. Um misto de emoções tomou conta do meu ser, uma dor horrível que não saberia explicar com exatidão. Comecei a imaginar como teria sido se não estivesse naquela parada de ônibus, com uma mala pequena, às 14:32, rumo a uma gaiola que me custaria quase vinte anos da minha vida. Qual profissão teria? Onde estaria morando? Com quem estaria casado? Qual o rumo que minha vida teria seguido? Meu desejo de criança, ser médico, voltou com força de um sono profundo, como se eu tivesse certeza de que era tarde demais. Havia uma dor horrível de cobrança dentro do meu ser, eu simplesmente não conseguia aceitar a ideia de ter sido vítima. Como eu pude ser tão burro, tão besta ao ponto de demorar tanto tempo para perceber que aquela “igreja” era uma farsa e que seus ensinos fugiam, de longe, dos ensinos do amor de Cristo?
Tudo ao meu redor simplesmente havia perdido o sentido, e a única coisa que se exaltava dentro do meu ser era o desejo de morrer. Simplesmente eu só queria morrer, pois a dor de ter sido roubado, enganado, impedido de viver uma fase da vida — de muitas descobertas e experiências — me doía demais. Minha filha, na época com cinco anos completados cerca de vinte dias antes, era meu refúgio. Mas mesmo que eu a abraçasse, não conseguia sentir nada, nem por ela nem por minha bela esposa, com que eu estava casado há mais de dez anos. Eu não tinha nenhum sentimento por nada e nem ninguém, só queria morrer.
Parecia que todos esses anos na “igreja”, sofrendo abuso moral, humilhações, cobranças por metas monetárias, não doeram tanto quanto o que eu sentia naquele momento. Parecia que o “anestésico” tinha terminado o efeito, e eu estava vinte anos mais velho, sem ter a mínima ideia de em qual direção seguir. Eu só queria morrer. Não cheguei a pensar na possibilidade de tirar minha própria vida, mas o desejo de morrer era patente no meu coração.
Fiquei preso nessa bolha de emoção durante três dias, era como se o tempo não passasse. A certeza de que eu não poderia voltar no passado e mudar tudo doía demais. Meu presente também me maltratava por eu não conseguir me ver tendo sucesso em algo. E pensar que um dia antes eu estava radiante e cheio de esperança de um futuro promissor!
Minha saída dessa dita instituição religiosa — que eu me nego a chamar de igreja, exatamente por saber hoje que o termo remete a pessoas, e não a templos — tinha acontecido no dia 11 de janeiro de 2018. Era um sábado, no início de tarde, quando recebi uma ligação da dona Nice, assim chamada por todos os pastores. Ela era uma espécie de secretária-tesoureira da “igreja” no estado de Sergipe na época. O telefone era dela, mas quem estava do outro lado da linha era o temido bispo de estado, um homem impetuoso e temido por todos os pastores da região.
— Meu filho, por que você fez isso?
Depois da primeira pergunta, sem nem se identificar, ele emendou outra.
— Meu filho, alguém te convenceu a fazer isso? A equipe de TI do templo descobriu o que você fez!
Era uma referência a um canal que eu tinha feito havia poucas semanas, no YouTube, para combater o abuso religioso sofrido por centenas de milhares de pessoas. Na verdade, era um grito de socorro, um grito por ajuda. Confesso que eu não tinha ideia, naquele momento, do grande número de vítimas de abuso religioso.
Voltando a minha prisão psicológica, que durou três dias. Foram três dias de dor extrema, mas esse martírio permaneceu por muito mais tempo. Até hoje não sei explicar essa experiência de dor. Eu queria gritar, queria chorar, queria ser abraçado, mas não conseguia pedir ajuda para ninguém. Mesmo saindo para trabalhar normalmente, todos esses dias, ninguém ao meu redor percebeu o quanto eu estava angustiado, o quanto eu gritava por socorro, até porque por fora eu estava muito bem. Como sempre, sorria e fazia piada de tudo, porém não conseguia desabafar nem com minha esposa, com ninguém. Como já disse, foram três dias em que eu fiquei sem sentir amor por nada e ninguém. Minha mente dizia: “quero morrer. Minha filha vai ficar bem, minha esposa vai ficar bem, tem uma casa, tem um carro. Eles vão ficar bem, eu quero morrer”, repetia mentalmente para mim mesmo.
Hoje imagino que normalmente algo assim deveria ter acontecido no dia em que saí da instituição e me encontrei com um mundo totalmente desconhecido aqui fora. Não sei por que tive essa experiência apenas vinte e sete dias depois.
Enfim, no terceiro dia minha mente começou a clarear. Comecei a voltar a mim mesmo no fim do dia, ao chegar em casa. Como poderia esquecer? Às 19:46, dei um abraço na minha filha e na minha esposa, muito apertado, depois fui até o banheiro chorar. Parecia que algo estava saindo de mim! Estou chorando agora, enquanto escrevo este texto. Minha essência, minha alegria, havia voltado. Naquela noite dormimos abraçados, os três, e foi só aí que minha esposa percebeu que algo estava acontecendo. Talvez tenha notado antes, mas nunca havia falado nada. Eu apenas disse que agora estava bem, e dormimos.
Você talvez nunca consiga entender por que milhares de pessoas, em nome de uma “fé”, se sabotam, se anulam e contrariam a tudo e a todos apenas para defender uma “verdade” que acabaram de conhecer. Porque pessoas até mesmo com grandes currículos submetem-se aos piores abusos psicológicos em nome de uma “fé”.
Adquirindo meu primeiro livro: Traumas Religiosos, você pode entender como esse processo de abuso religioso acontece e muito mais.
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Sinto muito por tudo que passou meu irmão. Que Jesus te guie nessa longa jornada. Seus escritos são importantíssimos e já me ajudam bastante.
Muitissímo obrigado!