As 6 fases da libertação de uma seita religiosa

Você já deve ter conhecido alguma história de um casal que vivia em pé de guerra. A esposa sofria diversos abusos, até agressões físicas, mas simplesmente não conseguia se livrar do agressor. Digo apenas levando em consideração a ótica da plateia, que quase sempre tenta explicar esse acontecido de maneira simples.
Essa discussão deve ser bem mais profunda para se entender os diversos fatores sociais e emocionais que postergam uma atitude de separação por parte da mulher. Chamá-la de burra é rebaixar o debate e ser extremamente insensível.
Contudo o tempo passa e, diante de sucessivos abusos, muitas mulheres acabam se convencendo de que seu casamento acabou já faz muito tempo. Enfim, mesmo com muitos alertas, nem sempre ela entende que é vítima. Chegar ao ponto de entender isso leva tempo, muito tempo. Na verdade, há um conjunto de fases pelas quais a esposa passa, como também o fiel.
Pois bem, essa relação abusiva também acontece entre o “pastor” e sua “ovelha”. É uma relação muitas vezes tóxica e totalmente desprovida de amor.
Nesse artigo quero explicar como isso acontece. Ele foi escrito levando em conta minha própria experiência e a de muitas pessoas com quem conversei durante meus últimos anos fora do sistema religioso. Depois de ouvir mais de cem pessoas até aqui, consegui formatar como ocorre esse processo. Claro que sua própria experiência pode ter sido diferente, ou não, na sequência que apresento aqui.
1 – Descobrindo a verdade
Por mais ardilosos que sejam os falsos pastores, eles não conseguem entregar o que prometem. Geralmente o fiel, depois de longos anos praticando tudo que é ensinado, começa a entrar em uma fase de certo questionamento. Ele começa a perceber que a “vida prometida” simplesmente não chega, e, mesmo que o “pastor” use todos os argumentos possíveis para manter o fiel no aprisco, chega um momento em que isso não funciona mais. Um dos fatores mais importantes para que essa fase aconteça é quando o fiel se torna vítima de algum mal, seja ele externo ou interno, com relação à instituição. Situações adversas às vezes servem de estopim para que a libertação aconteça.
É aí que a pessoa começa a buscar literatura fora da instituição. Já falamos que falsos pastores costumam ser “grandes escritores”, explicamos como esses livros são vendidos, que o seguidor é ensinado a consumir literatura apenas da instituição e que isso não visa apenas a obtenção de lucros rápidos, mas também a catequização do indivíduo ao modo operante do “pastor”.
Esse fiel, agora cheio de questionamentos, começa a consumir literatura externa e se depara com algo totalmente diferente e libertador. Na época, a minha sensação foi de que eu tinha acabado de conhecer um Jesus totalmente desconhecido, e foi como se um grande peso tivesse saído de dentro de mim. Então comecei a perceber que uma das principais promessas feitas por falsos pastores, a tão sonhada prosperidade, só estava vindo para eles. Eles sempre trocavam de carro, sempre se mudavam para um apartamento melhor, sempre frequentavam lugares requintados, e os fiéis simplesmente não saíam do lugar. Isso quando não andavam para trás!
Foi como se uma pequena escama tivesse caído dos meus olhos, e para o restante cair foi só uma questão de tempo.
2 – Negação da realidade
Mesmo com o ensino de que o fiel só pode consumir a literatura de seus líderes, isso nem sempre funciona, então se deparar com algo novo e desconhecido é libertador, mas bem doloroso. Muitas pessoas não conseguem aceitar o fato de ter sido enganadas a vida toda, e gente com graduação e cheia de orgulho tem mais dificuldade ainda. Esse processo de não aceitar o que está diante dos seus olhos só empurra as pessoas cada vez mais para consumir livros, revistas e para assistir a muitos vídeos de outros pastores. É como se a pessoa estivesse faminta pelo desconhecido e, ao mesmo tempo, procurando uma brecha em quem discorda de suas crenças, simplesmente para dizer para si mesma que nunca esteve errada.
O texto bíblico narra a história fascinante, a conversão de um grande perseguidor da igreja primitiva, em Atos 9,8.9: “E Saulo levantou-se da terra, e, abrindo os olhos, não via a ninguém. E, guiando-o pela mão, o conduziram a Damasco. E esteve três dias sem ver, e não comeu nem bebeu”.
Quando o texto narra que Saulo ficou três dias sem comer, você deve imaginar o misto de emoções no íntimo dele. Naquele momento, tudo em que Saulo acreditava foi colocado em xeque: sua fé, suas ações, seus costumes. Ele tinha acabado de descobrir o quanto suas “certezas” foram equivocadas.
É esse o sentimento de muitos quando entendem que foram vítimas de falsos pastores. Passa um filme na cabeça deles, a lembrança daqueles que tentaram sem sucesso alertá-los, as amizades perdidas por conta desse caminho percorrido.
O mais importante, nessa fase, é que a negação vai empurrar as pessoas ainda mais para uma caminhada que só vai acabar quando elas definitivamente aceitarem que foram vítimas e que precisam reagir.
Essa fase é dolorosa contudo, a que vem a seguir é mais dolorosa ainda.
3 – Auto culpa
Imagine o que leva uma pessoa a vender sua casa e doar todo o valor para a “igreja”, com a crença de que Deus irá lhe abençoar. A princípio você pode imaginar que se trata de alguém fora do seu juízo perfeito, mas não é. As pessoas que fazem isso realmente acreditam no que estão fazendo, por isso obedecem ao seu “pastor”, e é muito importante que você mantenha o respeito e o amor por elas. Esses fiéis são vítimas que não podem, de maneira nenhuma, ser rotuladas com adjetivos pejorativos.
Conheci uma mulher, dentro da instituição em que fui pastor, que tinha uma causa na justiça — na época, de R$ 450.000,00. O “pastor” a chamou em particular e primeiro a manipulou com os argumentos de que já tratamos aqui, depois perguntou se ela tinha fé para vender sua casa e ir morar de aluguel, na crença de que dessa vez ela ganharia a causa. Acredite, ela assim o fez. Essa mulher não sofreu mais com o aluguel, porque tinha um bom salário, mas não tenho notícias de como ela está hoje.
Despertar de tudo isso é um verdadeiro pesadelo! Passa um filme na cabeça da pessoa, com tudo a que ela se sujeitou, tudo que ela fez em nome de uma obediência cega. É como se durante todo esse período ela estivesse anestesiada e, ao acordar, sentisse uma grande dor no peito.
A maioria das pessoas se culpa por ter sido tão passiva diante de tantos abusos. Mulheres que nunca aceitaram ser maltratadas por seus maridos foram submissas aos seus líderes; maridos que sempre mantiveram o respeito e a liderança dentro de casa foram subjugados dentro da “igreja”; filhos que quase sempre reclamavam de tarefas dadas por seus pais eram submissos a seus “pastores”. Imagine a dor de um pai ausente no processo de desenvolvimento dos seus filhos porque sempre esteve ocupado com os trabalhos da “igreja”.
Agora é preciso entender que não é possível voltar atrás, mas que é preciso tirar lições de tudo isso. Eu aprendi essa lição, e é exatamente por isso que você está lendo este livro. Não é sábio perder tanto tempo se culpando, porque cada segundo é valioso para quem perdeu muito tempo.
4 – Busca pela verdade
Nessa fase, é impossível ver a pregação do “pastor” do mesmo jeito como se via antes. Agora parece que nada mais faz sentido! O fiel que via como loucura da fé vender seus bens e doá-los na instituição, agora vê como loucura de verdade fazer isso. A cada nova reunião ou culto de que o fiel participar, um incômodo vai nascendo dentro do seu ser. É como se o castelo estivesse desmoronando dentro de si e todas as suas certezas fossem colocadas à prova.
E agora o fiel busca cada vez mais entendimento fora da instituição. Ele quer entender de verdade o que é Evangelho e se realmente precisa viver numa relação de barganha com Deus, quanto ele de fato precisa pagar para ter a tão sonhada mudança de vida. E é nessa busca que ele vai tomar um choque, vai cair do cavalo quando descobrir que a mudança nunca foi externa, e sim que a transformação interior está acontecendo nesse exato momento. Você, que lê este livro e foi uma vítima, está chorando agora, eu sei. Sinto sua dor e choro com você, meu irmão e minha irmã.
Que bom que você entendeu que nunca precisou carregar esse fardo tão pesado. Que bom que compreendeu e está pronto para aceitar sua condição de pecador, e que agora sim vai viver o Evangelho de amor do jeito que Jesus resumiu em Mateus 11,30: “Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve”. Quantas vezes esse verso foi lido e não entendido? Não se trata de porta larga ou algo sem compromisso, mas de viver sem ser escravo de dogmas ou liturgias; isso sim é vida!
Nessa fase, o fiel geralmente se permite conversar com outras pessoas e ouvir suas opiniões, situação que geralmente não se fazia antes.
Preciso esclarecer que isso não acontece com todos, mas identifiquei essas fases em muitos com quem conversei. Talvez você não se encontre em minhas palavras, e quero acreditar que você não é uma vítima dos falsos pastores. Desejo de fato crer que sua falta de conexão com minha abordagem não se deve ao fato de você ainda não ter entrado em processo de questionamento.
Durante essa etapa, provavelmente os sentimentos de fases anteriores irão voltar; a culpa e a negação são os mais frequentes. Também é nesse estágio que uma oração muito sincera costuma acontecer, exatamente porque se entende, mesmo que de maneira rasa, que com Deus não se barganha, que não se coloca Deus na parede para exigir bênçãos, que não se trata Deus como se Ele estivesse nos devendo algo.
Você lembra da oração que você fez? Pedindo a Deus que Ele lhe mostrasse a verdade? Pois é, Ele está fazendo isso enquanto você lê esse livro.
5 – Paz interior
Depois de longo período de amadurecimento, o fiel agora entende que não tem direito nenhum por conta de supostas “provas com Deus”, provas que só serviram para diminuir o fiel e enriquecer seus líderes.
Esse fardo pesado que ele carrega é resultado de uma manipulação sem tamanho, pois o fiel sempre leva a culpa por problemas sofridos. A membresia segue à risca o que lhe é ensinado e, quando o resultado não aparece, ainda leva a culpa. Gostaria de listar alguns exemplos abaixo.
Agora que o fiel descobriu que tudo isso é uma grande farsa, ele se desprende desse fardo porque entendeu que o Evangelho é leve e que todos nós estamos sujeitos a ter problemas. Ele começa a olhar para o lado e ver inúmeras pessoas sofrendo dentro da “igreja”, às vezes até mais do que ele. Antes a sensação que ele tinha era de que todos estavam bem e prosperando, só ele que não, por isso se culpava e se culpa muito.
- Você não fez o perfeito sacrifício, deixou alguma reserva guardada, por isso não teve resposta. É tudo ou tudo.
- Você fez, mas com o passar dos dias deixou entrar a dúvida no seu coração, por isso não teve resposta.
- Você fez o sacrifício financeiro, mas não o espiritual. Faltou jejum e santidade durante a campanha.
- Você fez o sacrifício financeiro, mas não deu sua vida para Jesus. Tem algum erro escondido em você.
- Você fez o sacrifício com o que já tinha, mas deveria ter feito algo a mais e gerado o voto, vendido alguma coisa para acrescentar no voto.
- Você fez o sacrifício, porém cometeu algum pecado. De que adianta? Você deu seu dinheiro, mas pecou.
- Você fez o sacrifício, mas seu pedido não era da vontade de Deus. Você pediu errado, por isso Deus não atendeu.
- Você fez o sacrifício, mas não era o que Deus queria. Ele desejava que você sacrificasse outra coisa.
6 – A libertação
Nesse momento, uma inquietação vai tomar conta de você. Os cultos aos domingos serão intermináveis! Parece que o tempo não passa, e ir à igreja será uma grande tortura. Toda vez que você se sentar no banco, não conseguirá mais assistir a reunião ou ao culto como antes, e haverá um sorriso no canto da sua boca toda vez que o pastor exaltar alguma qualidade dele. Lá na sua mente, uma voz afirmativa dirá “não me diga!”. Você definitivamente nunca mais será o mesmo. Vai ser difícil permanecer dentro da “igreja”, vai ser difícil não externar críticas aos “pastores” que você outrora venerava. Você vai encontrar outras pessoas que pensam como você, e também vai encontrar pessoas que te repreenderão. O que eu sei é que em algum momento você não vai conseguir se sentar no banco e engolir a seco o que vem do “altar”. Vai chegar o dia em que você vai se levantar para nunca mais voltar.
E ao sair você vai se sentir muito leve e livre, e é aí que muitos cometem o erro de sentir uma falsa liberdade. Muitas pessoas nasceram dentro de uma instituição e não tiveram experiências aqui fora. Nesse momento em que não há mais um pastor para recriminar e condenar, pensam que podem tudo e não se preocupam com as consequências. É preciso ter muito cuidado com essa euforia, porque qualquer deslize vai gerar material para os falsos líderes escravizarem mais pessoas. Os “pastores” agora esperam que você se autodestrua, para usarem seu exemplo dentro da “igreja”. Mesmo que não se importe mais com o que eles dizem, você precisa entender que muitos estão passando pelas fases que você passou, e tudo isso pode atrasar por conta do seu mau proceder. Também é preciso entender que Cristo não errou com você, e sim os falsos pastores.
Recomeçar sem culpas é essencial para superar seus traumas e viver o resto de vida com fé e alegria.
Agora o fiel se chama ex-fiel e talvez nunca mais queira fazer parte de uma nova igreja. Mas a maioria geralmente quer, pois sabe que apesar de tudo ainda há muitos pastores que realmente se preocupam com suas ovelhas.
Falaremos em outro artigo como você deve proceder para não ser enganado na próxima “igreja” que for participar.
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