Qual a relação entre o mito da caverna e os traumas religiosos?

O Mito da Caverna, também denominado de Alegoria da Caverna, é uma teoria em forma de metáfora que foi elaborada por Platão. Ele foi um dos mais importantes filósofos e pensadores de toda a história. Através do seu Mito da Caverna, Platão conseguiu explicar a busca pelo conhecimento e a condição humana em diferentes perspectivas. O Mito da Caverna está presente na obra República de Platão, que talvez seja a mais complexa de sua vida.
“O diálogo travado entre Sócrates, personagem principal, e Glauco, seu interlocutor, visa apresentar ao leitor a teoria platônica sobre o conhecimento da verdade e a necessidade de que o governante da cidade tenha acesso a esse conhecimento.”
O propósito de Sócrates é descrever a situação humana em uma parábola sobre a ignorância e o aprendizado. Começa com homens aprisionados em uma caverna subterrânea. Estão acorrentados pelo pescoço e não conseguem olhar para a entrada, que fica atrás deles. Estão ali desde que nasceram. Não muito perto dessa entrada, há um fogo aceso e pessoas passando atrás dele e projetando as suas sombras na parede do fundo, onde os prisioneiros as veem como se fosse um filme. Outros homens mantêm acesa a fogueira cada vez que passam por ali, com uma grande quantidade de coisas. São projetadas mais sombras no interior da caverna. Imagens curiosas são criadas.
Imagine que, em algum momento, um preso consiga se libertar e, percebendo uma saída na caverna, tem a oportunidade de conhecer lá fora um mundo totalmente desconhecido. Imagine também esse homem voltando para a caverna e tentando libertar e alertar os outros sobre um mundo bem melhor e diferente. Tal homem poderia ser tido como louco e até mesmo morto pelos presos dentro da caverna.
Agora imagine pessoas que nasceram dentro de determinadas instituições religiosas e que desde crianças tiveram todas as suas crenças e os seus valores formatados a partir da doutrina dessa “igreja”. É simplesmente quase que impossível convencê-las de que são vítimas do sistema religioso, e será muito mais difícil tirá-las de lá.
Sócrates perdeu a vida por conta de seus questionamentos, pois viveu em uma época em que a religião era usada para explicar tudo. A mitologia grega não conseguia atender aos anseios de um homem que tinha certeza de que o mundo era muito mais complexo.
É incrível pensar que, depois de milênios que nos separam de tão ilustre homem, os mitos criados na época em que vivemos ainda servem com muita maestria para escravizar corações.
O mito é uma construção fictícia usada para dar explicações rasas a diversas demandas do homem. Da mesma forma, isso tem sido usado por falsos pastores, até mesmo desconstruindo aquilo que o próprio texto bíblico desmente de certa forma.
A receita é simples: decifrar o desespero das pessoas e alinhá-lo a textos bíblicos com a promessa de que Deus irá fazer de seus seguidores, grandes vencedores intocáveis e completamente protegidos de tudo e de todos — verdadeiros semideuses. Quem não quer isso? “A Bíblia promete? Eu quero!”, diz o fiel.
Claro que toda essa vida prometida por Deus e essa proteção total estão condicionadas a tudo que a seita religiosa quer. Todo esse objetivo será embasado em textos bíblicos sutilmente manipulados para garantir a obediência do fiel. Essa é a receita que traz prosperidade para os donos de seitas religiosas.
Qual fiel, na plena certeza de que encontrou a “igreja certa”, ousaria contestar os ensinos aprendidos? Quem teria coragem de contestar seu líder espiritual?
Já recebi diversas mensagens de pessoas alegando terem sido enganadas em sua antiga “igreja”, mas que agora encontraram a igreja verdadeira.
— Aqui não tem heresia, não! Tudo é retirado da Bíblia.
Normalmente é isso que dizem, com muita certeza no peito, e isso é muito lindo porque mostra um fiel que, mesmo depois de ser enganado, ainda cultiva a fé em Deus e no ser humano. Porém, se voltarmos poucos anos, iremos ver essa mesma certeza afirmada em sua antiga “igreja” antes de a pessoa descobrir o engano. Sempre aconselho cautela, mesmo que tudo pareça ter sentido, até porque os falsos pastores constroem uma teologia apurada para seduzir e enganar pessoas sinceras.
Um ótimo exemplo é a história de Abraão, que é ensinada nos templos religiosos. Os falsos pastores ensinam que Abraão obedeceu a Deus e abandonou sua família para seguir sua fé. Observamos na Bíblia que, muito antes de Deus falar com Abraão, o homem já tinha saído de Ur dos caldeus com seu pai, Terá.
E tomou Terá a Abrão seu filho, e a Ló, filho de Harã, filho de seu filho, e a Sarai sua nora, mulher de seu filho Abrão, e saiu com eles de Ur dos caldeus, para ir à terra de Canaã; e vieram até Harã, e habitaram ali. E foram os dias de Terá duzentos e cinco anos, e morreu Terá em Harã. (Gênesis 11. 31, 32).
Note que só depois da morte do seu pai é que o texto narra o primeiro contato de Deus com Abraão, em Gênesis 12. 1. “Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei.” Mesmo com essa clareza de detalhes, falsos pastores ensinam que Abraão abandonou seu pai para seguir a obediência na sua fé. Esse ensino visa encorajar o fiel a se desprover de razão e a obedecer a seus líderes, porque é exatamente assim que ficarão ricos e abençoados como Abraão ficou. Infelizmente, os gatilhos mentais usados dentro dos templos têm muita eficácia, por isso o fiel confia cegamente nos pastores.
Talvez você diga: “É loucura o ensino de que, se eu der todo o meu patrimônio para a instituição, Deus vai me deixar rico!”, mas os falsos pastores certamente irão usar o seguinte verso bíblico: “Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus.” (1 Coríntios 1,18). Com esse discurso, os falsos pastores envolvem suas vítimas em uma teia que vai lhe custar anos de suas vidas. A vítima, diante desse “glorioso” ensino, vai ignorar qualquer sinal de alerta de sua consciência e, principalmente, de um amigo ou familiar que está de perto acompanhando o caso. Nessa receita o fiel fica sem nada, e os falsos pastores enriquecem a cada dia. E caso você diga que esse ensino vai durar pouco tempo — já que o fiel, na suposta plantação de dízimos e ofertas, sem ver o resultado esperado, vai cair em si e logo vai deixar a dita “igreja” —, aí é que você se engana. Já existe outro ensino para garantir sua fidelidade durante mais um bom tempo.
“Pela manhã semeia a tua semente, e à tarde não retires a tua mão, porque tu não sabes qual prosperará, se esta, se aquela, ou se ambas serão igualmente boas.” (Eclesiastes 11,6)
Esse texto será manipulado no sentido de que o fiel tem que participar de todas as campanhas de arrecadação, pela busca incessante da tão esperada mudança de vida, do tão sonhado milagre.
Outro texto também muito usado é: “Naqueles dias eu, Daniel, estive triste por três semanas. Alimento desejável não comi, nem carne nem vinho entraram na minha boca, nem me ungi com unguento, até que se cumpriram as três semanas. E no dia vinte e quatro do primeiro mês eu estava à borda do grande rio Hidequel; E levantei os meus olhos, e olhei, e eis um homem vestido de linho, e os seus lombos cingidos com ouro fino de Ufaz.” (Daniel 10,2.5)
Essa passagem serve para explicar que o anjo do Senhor foi enviado no mesmo dia em que Daniel se propôs a orar, porém o mal não deixou que o anjo chegasse com a resposta. Daniel teve que ser perseverante para receber a benção.
O fiel é envolvido em uma mistura de sentimentos na qual a esperança é o principal. Mesmo cansado de tantas campanhas, de ter entregado todos os seus bens para a “igreja”, mesmo assim ele ainda deve manter a esperança de que a qualquer momento Deus irá descer do Céu para resolver suas demandas.
Você deve estar pensando que alguém assim é muito trouxa ou desequilibrado para acreditar nisso. Porém, claro que, se você for uma vítima, provavelmente vai pensar diferente. Agora eu digo, com muita certeza, que embora a ganância tenha atraído muitos seguidores por conta dessas promessas de mudança de vida, a maioria é e foi vítima desses falsos pastores. Por isso, reconhecer que você foi vítima é o primeiro passo para a busca da cura interior. Não se culpe pelo acontecido, você só era alguém vulnerável em busca de solucionar suas demandas, e não é vergonhoso reconhecer isso. Acredito que seja o início da cura.
Muitos fiéis que saem da “igreja” carregam muitos traumas. A maioria, quando sai, o faz com muito medo. Alguns têm medo de dirigir porque acham que vão sofrer um acidente e morrer, outros desenvolvem problemas do sono porque acreditam que alguém vai tirar sua vida enquanto dormem. Esse contexto faz muitos desenvolverem patologias da linha psiquiátrica, por isso é necessário medicação forte para ajudar nesse processo. Em nosso livro Traumas Religiosos nós explicamos como esse abuso acoontece.
Eu vi diversas pessoas desenvolverem quadros de ansiedade, distúrbios do sono, depressão, síndrome do pânico, lapsos de memória, síndrome do transtorno bipolar etc. depois de ter experiências ruins dentro de certas “igrejas”. Tive, na época em que era pastor, um companheiro de trabalho que se suicidou por conta das inúmeras cobranças e ameaças de punição que recebia, caso não alcançasse o valor de arrecadação esperado.
Uma observação que eu gostaria sobre os traumas que você sofreu durante esse processo. Geralmente pessoas feridas desenvolvem um comportamento instintivo de criar um “muro” ao seu redor. É como se o inconsciente estivesse dizendo: “Agora, ninguém mais irá me ferir”, tome cuidado com esse “muro”, pois embora ele te proteja e impeça as pessoas de se aproximar e te ferir, ele também impede as pessoas de se aproximar e te amar. O resultado disso são pessoas vazias, infelizes e mergulhadas em uma profunda solidão. Aprenda a tirar lições de tudo que aconteceu, só não esqueça que não foi o seu último erro. Diante desses fatos é necessário entender que a busca por apoio psicológico e até psiquiátrico é muito importante.
Busque fazer terapia, busque se perceber, se ver, se entender. Para que só assim você inicie o processo de cura e principalmente seguir em frente e viver com alegria o resto de vida que você ainda tem. Espero ter contribuído de alguma forma para a sua percepção e crescimento, abraços.
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Eu li essa história, já tinha visto falar sobre esse mito, na minha faculdade de administração, meu professor de pisicologica já tinha falando, é um assunto muito complexo, entender o ser humano. Mas ele passa a realidade que o tempo atual de hoje.
E como é complexo.
Eu término a leitura dessa postagem maravilhado com tamanha sensibilidade. Obrigado, ajudou-me bastante. Ainda tenho feridas de abusos que sofri, mas sigo em frente.
Olá, o processo de cura é gradual. Que bom que já começou em você.